quinta-feira, 22 de abril de 2010

Imagine

Imagine-se habitante da savana, de pele ressequida pelo sol, dependendo da água da chuva para beber, para dar de beber ao seu gado, sua única riqueza, para além das roupas que veste, de uns panos para enrolar à volta do corpo e de um eventual fato domingueiro comprado num fardo, de tecido e cor totalmente deslocados. Dono de um quimbo com algumas cubatas, casas feitas de paus e colmo, em função das pessoas que lá habitam. As últimas chuvas ocorreram há quase um ano, a estação da chuva deste ano mostrou-se tão seca como a estação seca. Mesmo que ainda chova perderam-se as colheitas de tuberculos para fazer a farinha, a base de alimentação. Por mais quilómetros que percorra com o gado em busca de água e de pasto não encontra, a situação é identica por centenas de quilómetros. O gado está magro, só se vêm os ossos e os pastores não estão em situação diferente. O calor é abrasador e seco. A família está magra e desidratada, não há poços com água, os furos ficam distantes, apróxima-se nova estação seca e a próxima época das chuvas só começa em Outubro, se tiver mais sorte do que este ano.


Ao Hospital, que fica a dezenas de quilómetros percorridos a pé, chegam mães em pele e osso, com as crianças às costas, quase desmaiadas de desidratação pois o leite da mãe secou. As que podem andar pela pela mão estão magras, sem força para mais um passo, de olhos cansados, quase sem vida, a medo e com esperança entram, aquele é o destino, conseguiram lá chegar e há expetativa de que ali acabe o sofrimento mudo da fome e da sede. Não há infância, não há escola, não há brincadeiras no pátio da escola. Já foi assim com os seus pais, avós, bisavós... por uns dias a situação poderá melhorar mas haverá sempre o regresso à seca, à falta de àgua, à falta de alimento, excepto se chover. Já conseguiu imaginar como seu único desejo de vida que chova, que tenha água, que tenha uns sacos de farinha para acalmar a fome?

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