sábado, 27 de março de 2010

Nas terras do Planalto



















Preparava-me para ir correr, para não ficar aqui a escrever e a pesquisar assuntos que me interessam (confesso que estou num modo de experimentação, acabei de criar o blog pois, apesar de em tempos ter escrito para um blog, nunca tinha publicado directamente os textos) e mais tarde lamentar o que poderia ter feito quando, subitamente, o céu passa de de um azul claro intenso e transparente para um negro carregado, deitando sobre a terra uma chuva densa. As ruas ficam subitamente vazias, as estradas transformam-se em rios de lama onde os únicos que se atrevem a não se abrigar, as crianças, na sua maioria descalças, brincam com a corrente forte, desafiando os seus caminhos.
É assim nas terras do Planalto.
Como falo do Planalto e publico uma imagem da Tundavala, não posso deixar de recomendar o livro "O Planalto e a Estepe" de Pepetela, escritor Angolano do qual já li quase todos os livros publicados, esperando ansiosamente pelo seu próximo livro. Sempre que vou a Luanda passo na livraria Lello, na baixa. É um ícone cultural Angolano pois resistiu a todos os contratempos. Procuro os livros de Pepetela que ainda não consegui ler.
Angola tem escritores muito bons, Moçambique também mas, na minha opinião, se há escritor de lingua portuguesa que poderia e deveria ser candidato a um Nobel da Literatura, é Pepetela. Pepetela é mágico na escrita, envolve-nos nas suas histórias de uma forma única, com uma capacidade descritiva tremenda, com o seu estilo realista, crítico, com o seu sentido de humor, com a sua ironia.
A personagem principal do "Planalto e a Estepe", Júlio, nasceu e vivieu a sua infância nas terras junto à estrada para a Tundavala.


O livro começa assim:

OS ROCHEDOS DA TUNDAVALA

Os olhos dele continham o céu do Planalto.
Na Huíla, Serra da Chela, Dezembro, quando o azul mais fere.
Nos olhos dela estavam gravadas suaves ondulações da estepe
mongol. Tons sobre o castanho.
Entremos primeiro no azul.

Aminha vida se resume a uma larga e sinuosa curva para o amor.
Começando por um caminho longo até Moscovo.
Não vos contarei todos os detalhes dessa viagem. Houve
outras, também importantes, houve mesmo muitas viagens. Mas
essa primeira viagem em arco amplo e súbitos desvios demorou
mais, começou na Huíla, Sul de Angola, quando fui parido.
Nasci no meio de rochedos. A casa, porém, era de adobe.
Casa de adobe com rochedos à volta. Título de quadro?
Era muito duro fazer uma casa de pedra, como na aldeia de
Trás-os-Montes onde o meu pai tinha nascido. A minha mãe era
já de algumas gerações huilanas e nascera numa mais pequena
que a nossa. Por isso se construiu a de adobe, quando casaram.
Os dois, com a ajuda de um serviçal muíla, chamado Kanina,
nome de soba grande, ergueram a moradia, usando o barro
de uma baixa sempre húmida para fazerem blocos secos ao sol.


Para quem queira ler mais do livro, Pepetela tem um site no qual disponibiliza o primeiro capítulo do livro em pdf.


http://www.pepetela.com.pt/pdf/planalto_estepe.pdf

Este Ano em Portugal

Antevê-se um Verão de 2010 com excelentes concertos de Jazz. Para quem gosta!

Buena Vista Social Club

http://www.youtube.com/watch?v=6JEdf7XsV5g

Diana Krall - Fly Me To the Moon

Elvis Costello - "She" with the Liverpool Phil

http://www.youtube.com/watch?v=ehzD2A0e-kw

Norah Jones -

http://www.youtube.com/watch?v=Y0XrqlDUjN4

From Sligo Bay to the Isle of Innisfree



At the summit of an hill overlooking Sligo Bay, under a rain shower and without umbrella or raincoat I had one of the happiest moments of my life. We all have our Innisfree. Mine is where I feel at home.

William Butler Yeats. 1865–

44. The Lake Isle of Innisfree

I WILL arise and go now, and go to Innisfree,
And a small cabin build there, of clay and wattles made;
Nine bean rows will I have there, a hive for the honey bee,
And live alone in the bee-loud glade.

And I shall have some peace there, for peace comes dropping slow, 5
Dropping from the veils of the morning to where the cricket sings;
There midnight's all a glimmer, and noon a purple glow,
And evening full of the linnet's wings.

I will arise and go now, for always night and day
I hear lake water lapping with low sounds by the shore; 10
While I stand on the roadway, or on the pavements gray,
I hear it in the deep heart's core.

No dia do Pai

No dia do pai acordámos cedo na nossa casa no meio do campo, o silêncio é enorme, não se ouve ainda a cidade ao longe e mesmo os pássaros ainda não se atrevem a cantar. Às 6 horas o sol é uma bola de fogo que vejo nascer por entre a névoa que cobre todas as manhãs a cidade. Ao seu lado a encosta abrupta do início do planalto que nos rodeia como uma ferradura e que olho ao longe sentada no alpendre enquanto tomo o pequeno almoço e ouço “Tout Les Matins du Monde”, a banda original do filme com o mesmo nome. Aqui sinto a falta das nossas idas à Gulbenkian, ao Coliseu, ao CCB... a Évora ouvir o Divino Sospiro. Vou apanhar dois ramos de alegrias brancas, um para o meu pai, que tinha chegado no dia anterior, que conforto foi vê-lo sair do avião e abraçá-lo. O outro ramo de flores entreguei a um amigo dele que me é muito querido a quem queria nesse dia especial demonstrar que me lembrei que ele também é pai.

Depois partimos no nosso todo o terreno, relíquia de família, com mais de 15 anos de buracos e centenas de milhares de quilómetros feitos por estas paisagens. Vamos visitar um amigo à sua fazenda que não fica distante, cerca de cento e vinte quilómetros que equivalem a mais de 2 horas de caminho pois a estrada a partir do quilómetro oitenta enche-se de buracos, autenticas crateras. De início, ao volante às vezes paro, hesitante, meto a roda direita ou a esquerda no buraco? Pergunto-me. À medida que avançamos começo a habituar-me, a desviar-me melhor, saio da estrada, vamos em contra mão, por vezes descubro que sem necessidade, apenas porque daquele lado da estrada me parecia haver menos buracos. Só aqui, a um sábado, no meio da savana africana, isso é possível pois chegamos a andar dezenas de quilómetros sem nos cruzarmos com outro carro. Passamos por uma pequena tabuleta à beira da estrada, rectangular, com não mais de 30 por 15 cm, com o fundo branco e um bovino pintado à mão a preto, autentica pintura rural (único, e eu sem máquina fotográfica...!) que nos indica que aquela é zona de passagem de gado. Nesse local específico não vimos nenhum mas por várias vezes cabritos e bois cruzaram a estrada mesmo à nossa frente. Os buracos até são bons, pensava então, impediam-me de ir mais depressa correndo o risco de ir contra um destes animais.

A paisagem é-me muito familiar, a primeira vez que aqui vim tinha 15 anos. Na altura foi um reencontro com a minha terra, o meu continente, a minha gente. Nesta fazenda passei então parte da plenitude dos meus dias de adolescente em África, o despertar de madrugada para ver o sol nascer e à tarde sentar-me no grande balouço do enorme jardim com um extenso e sempre verde relvado e canteiros de mil flores e cheiros para ver ao longe, no fim da savana que se estendia à minha frente, a grande bola de fogo pôr-se lentamente. Aqui aprendi a andar a cavalo numa bonita e elegante égua de um tom castanho dourado com o seu potro que insistia em perturbar-me nos meus primeiros passos de amazona tentando saltar para o dorso da mãe como que me dizendo que a mãe era dele, aprendi a andar de mota pela picada e pelos areais onde ia invariavelmente parar perante todos os funcionários que entretanto me ouviam e vinham observar entre risos e sorrisos, como conseguiria dali sair? Sem cair. Aprendi a passear touros com mais de uma tonelada para exibir em parada, na feira do gado. À hora de mais calor lia John Steinbeck ou Hemingway em inglês numa vontade ávida de dominar a língua que o meu anfitrião tão bem falava ou ia tentar ensinar palavras ao papagaio, nesse caso em português. Ao longe, sempre um rádio tocava as músicas africanas, que me ficaram no ouvido. Com o nosso amigo, dono desta fazenda que chegou a ter 100.000 hectares, aprendi a amar esta terra e as 10 espécies de erva que aqui nascem e servem de pasto, cada uma com o seu valor nutritivo e a sua função alimentar específica, corri à noite infrutiferamente pelos campos à caça de quincuios, que saltam brutalmente e, no nosso ritual, se apanham à mão, e ainda nas festas da discoteca montada na varanda sábado à noite aprendi com todas as mulheres a dançar os ritmos africanos... Esta é parte da minha África, com a sua terra cor de barro e cor de areia, de dias quentes e noites de céu estrelado arrefecidas, de fortes chuvas depois de dias de intenso calor que trazem consigo o cheiro único da terra molhada, de paisagens intermináveis, salpicadas por gente magra, simpática, vestida de panos coloridos carregando pesos impensáveis à cabeça ou vendendo artigos à beira da estrada, de crianças surgindo do meio do nada, pastando gado ou brincando, onde nada parece existir e ninguém viver, ou de gente caminhando ao domingo à tarde à beira da estrada em direcção às suas casas, com as suas melhores roupas depois de uma ida à missa ou de um dia de lazer.

Ao fim de duas horas de viagem chegamos à fazenda, a entrada feita de um túnel de acácias amarelas que estavam ainda em flor e no meio do jardim a grande árvore da paz debaixo da qual há tantos anos me sento para horas de conversa prazenteira. Antes de ir embora o nosso anfitrião dá-me gardénias, brancas, salmão e azuis, e mais alegrias de todas as cores, vamos passeando e vamos colhendo ramos de quase todas as plantas que ele tem para eu colocar no meu jardim, explicando-me o que devo fazer. Basta colocar na terra pois aqui, com este clima e esta terra, tudo cresce, diz, mas tirando-lhes quase todas as folhas para que tenham mais força para crescer.